Nick Drake foi um dos músicos mais sensíveis que o século passado nos deu. Em suas canções, letras belíssimas unem-se a hábeis melodias de violão, formando uma espécie de poesia rara, outonal e profundamente tocante.
Embora tenha refinado o agudo modelo lírico estabelecido por Jackson C. Frank, Bert Jansch e Bob Dylan, Nick foi quase anônimo em seu tempo: seus três álbuns – Five Leaves Left (1969), Bryter Layter (1971) e Pink Moon (1972) – contaram com péssimas vendas e ficaram reduzidos a um grupo bastante restrito de apreciadores, até porque o poeta recusava-se a performar shows ou dar entrevistas para divulgá-los. Entre decepções artísticas, crises pessoais e momentos de lancinante tristeza, Nick renunciou à vida aos vinte e seis anos, deixando-nos a lamentar muito o seu cedo falecimento – mas, também, a estimar a Beleza incomparável de sua obra e de seu legado.
É pena que não posso dizer-lhe o quão imensamente eu o admiro. Como poucos, Nick Drake é um valioso amigo que sempre me oferece luz em tempos escuros.
A seguir, traduzo alguns trechos da parte final de Nick Drake: The Biography, por Patrick Humphries. Deixo, além disso, links para as suas canções de que mais gosto.
Nick was prone to sleepless nights, frequently prowling the house in the small hours. His mother, alert to his movements, would often get up and sit with him in the kitchen until he returned to bed. But that night, when Nick woke and went down to the kitchen, Molly slept on. No one will ever know what thoughts went through Nick Drake’s mind in the long and solitary, dark hours before dawn. Sometime on the morning of Monday 25 November 1974 – probably around 6a.m. – the extra Tryptizol he had taken that night caused Nick Drake’s heart to stop beating.
That Nick Drake died so young is a terrible tragedy; not just because of who he was, but because of what he might have become. The potential of all those years left unlived. Nick Drake was a man of sincerity, an artist of tremendous calibre and one of the few entitled to be called unique. The fact that there is no film footage of Nick Drake performing undoubtedly feeds the myth. The photos – and there are few enough even of those – freeze-frame the image of Nick, shy and hesitant before the camera, capturing him for ever in the aspic of immortality: half-smiling at halfremembered memories.
How Nick’s life would have developed had he lived, is of course the question which continues to fascinate those who have grown to love his music. If he had conquered his depression, would he have wanted to write and record again? Would he ever have felt capable of returning to his former life? Indeed is it possible to imagine a life for Nick which didn’t involve music?
It is fascinating, but fruitless to speculate. We will never know. Even those closest to him could never know. It seems likely that not even Nick knew. In the end, though, Nick Drake was born, and died, the way he was. The sadness and introspection gave birth to the music. Had he been less contemplative, it is unlikely that he would have produced such inimitable music. And music was very important to Nick.
Any valour and heroism in Nick’s all-too-short life came in the courage of his living. It can be seen in his proud but foolhardy determination to try to beat his illness on his own, and in the will to go back and record even after he had apparently given up hope and retreated to Tanworth. It came in the day-to-day battles with despair, the acceptance of a life unfulfilled and empty, and the continued, weary living of that life.
But no life worth the name is ever that simple, and even the brief life of Nick Drake abounds with contradictions: the boy who seemed to personify the corrosive effects of loneliness, though he never really left his parents’ home; who found communication such an effort, but reached out so fluently, to so many, through his work. Perhaps in the end facts can only diminish the myth, but ultimately the life is more important. For whatever the truth about Nick Drake’s death, it remains a tragedy – just as his legacy of extraordinary songs remains a triumph, and a joyful one at that.
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Nick era propenso a noites em claro, frequentemente perambulando pela casa durante a madrugada. Muitas vezes, sua mãe, atenta aos seus movimentos do filho, levantava-se e se sentava com ele na cozinha até que ele voltasse para a cama. Mas, naquela noite, quando Nick acordou, ela continuou dormindo.
Ninguém jamais saberá que pensamentos passaram por sua mente nas longas, solitárias horas de escuridão antes da alvorada. Em algum momento da manhã de segunda-feira, 25 de novembro de 1974, provavelmente por volta das 6h, o Tryptizol extra que Nick havia tomado lhe parou o coração.
Que Nick Drake tenha morrido tão jovem é uma tragédia terrível – não apenas por quem ele foi, mas por aquilo que ele poderia ter sido, por todo o potencial dos anos não vividos. Nick era alguém de profunda sinceridade, um artista de calibre excepcional e um dos poucos que realmente merecem ser considerados únicos. Certamente, a ausência de qualquer filmagem em que ele se apresente alimenta o mito. As fotografias – e mesmo elas são raras – guardam a imagem de Nick, tímido e hesitante diante da câmera, preservando-o para sempre na moldura imutável da imortalidade: um meio-sorriso evocando memórias meio esquecidas.
Como a vida de Nick teria sido se ele houvesse sobrevivido é uma questão que continua cativando aqueles que aprenderam a amar sua música. Se tivesse superado a depressão, será que desejaria voltar a compor e gravar? Será que algum dia se sentiria capaz de retornar à sua antiga vida? É possível, afinal, imaginar uma existência para Nick que não estivesse entrelaçada com a música?
Que Nick Drake tenha morrido tão jovem é uma tragédia terrível – não apenas por quem ele foi, mas por aquilo que ele poderia ter sido, por todo o potencial dos anos não vividos. Nick era alguém de profunda sinceridade, um artista de calibre excepcional e um dos poucos que realmente merecem ser considerados únicos. Certamente, a ausência de qualquer filmagem em que ele se apresente alimenta o mito. As fotografias – e mesmo elas são raras – guardam a imagem de Nick, tímido e hesitante diante da câmera, preservando-o para sempre na moldura imutável da imortalidade: um meio-sorriso evocando memórias meio esquecidas.
Como a vida de Nick teria sido se ele houvesse sobrevivido é uma questão que continua cativando aqueles que aprenderam a amar sua música. Se tivesse superado a depressão, será que desejaria voltar a compor e gravar? Será que algum dia se sentiria capaz de retornar à sua antiga vida? É possível, afinal, imaginar uma existência para Nick que não estivesse entrelaçada com a música?
É uma especulação fascinante, mas inútil. Nós nunca saberemos. Aqueles mais íntimos dele não sabiam. Parece que nem sequer o próprio Nick sabia. No fim, porém, Nick Drake nasceu e morreu como ele era. A tristeza e a introspecção deram origem à sua música. Tivesse ele sido menos contemplativo, é improvável que produzisse uma obra musical tão inimitável. E música era algo muito importante para Nick.
O verdadeiro heroísmo da breve existência de Nick está em sua coragem de existir. Está em sua tolamente orgulhosa determinação de vencer sozinho a doença que o abatia. Está em sua perseverança em retornar a gravar canções mesmo tendo aparentemente desistido de tudo e se refugiado na casa de seus pais, em Tanworth. Está em suas lutas diárias contra a desesperança. Está em aceitar uma vida incompleta e vazia – e, não obstante, em continuar a viver a vida.
Ainda assim, nenhuma vida que valha a pena é tão simples, e até mesmo a de Nick guarda contradições: o garoto que parecia personificar os efeitos corrosivos da solidão nunca realmente saiu da casa dos pais; o poeta que sentia uma dificuldade tremenda de exercer a comunicação foi capaz de comunicar-se tão fluentemente com tantas pessoas por meio de seus versos. Talvez os fatos possam diminuir o mito, mas, no final das contas, a vida é mais importante. Seja qual for a verdade sobre a morte de Nick Drake, ela continua sendo uma tragédia – assim como o seu legado de músicas extraordinárias continua sendo um triunfo, um triunfo que celebramos com alegria.
O verdadeiro heroísmo da breve existência de Nick está em sua coragem de existir. Está em sua tolamente orgulhosa determinação de vencer sozinho a doença que o abatia. Está em sua perseverança em retornar a gravar canções mesmo tendo aparentemente desistido de tudo e se refugiado na casa de seus pais, em Tanworth. Está em suas lutas diárias contra a desesperança. Está em aceitar uma vida incompleta e vazia – e, não obstante, em continuar a viver a vida.
Ainda assim, nenhuma vida que valha a pena é tão simples, e até mesmo a de Nick guarda contradições: o garoto que parecia personificar os efeitos corrosivos da solidão nunca realmente saiu da casa dos pais; o poeta que sentia uma dificuldade tremenda de exercer a comunicação foi capaz de comunicar-se tão fluentemente com tantas pessoas por meio de seus versos. Talvez os fatos possam diminuir o mito, mas, no final das contas, a vida é mais importante. Seja qual for a verdade sobre a morte de Nick Drake, ela continua sendo uma tragédia – assim como o seu legado de músicas extraordinárias continua sendo um triunfo, um triunfo que celebramos com alegria.
River Man: https://music.youtube.com/watch?v=HQ9JBwuO128&si=0_gn_YHy_Kocch3Z;
‘ Cello Song: https://music.youtube.com/watch?v=MhSVh75lKiE&si=KNGGXXuAO0cf0-DF;
‘ Cello Song: https://music.youtube.com/watch?v=MhSVh75lKiE&si=KNGGXXuAO0cf0-DF;
The Thoughts of Mary Jane: https://music.youtube.com/watch?v=XpR_OdvyRNI&si=TP7TuqsDZIroI-_l;
Fly: https://music.youtube.com/watch?v=aCCn2Mal5mM&si=8wdjbKYR6PiHlf3T;
Road: https://music.youtube.com/watch?v=jpk32L8Bb4c&si=Ow6EwPOf1PiZL0dR;
Things Behind the Sun: https://music.youtube.com/watch?v=j14PgxHghjQ&si=gyNDMQPhsjF4X0cP;
From the Morning: https://music.youtube.com/watch?v=xPe5ZQx0OpQ&si=bY_AYIWF_LAY1J34;
Rider on the Wheel: https://music.youtube.com/watch?v=54zfEaaHURM&si=Au_WN2fsDChzS0BR (presente em um álbum póstumo, Made To Love Magic, de 2004).
Fly: https://music.youtube.com/watch?v=aCCn2Mal5mM&si=8wdjbKYR6PiHlf3T;
Road: https://music.youtube.com/watch?v=jpk32L8Bb4c&si=Ow6EwPOf1PiZL0dR;
Things Behind the Sun: https://music.youtube.com/watch?v=j14PgxHghjQ&si=gyNDMQPhsjF4X0cP;
From the Morning: https://music.youtube.com/watch?v=xPe5ZQx0OpQ&si=bY_AYIWF_LAY1J34;
Rider on the Wheel: https://music.youtube.com/watch?v=54zfEaaHURM&si=Au_WN2fsDChzS0BR (presente em um álbum póstumo, Made To Love Magic, de 2004).
Túmulo de poeta em Tanworth-in-Arden, inscrito com versos de From the Morning
Noite em Londres, cidade que o poeta costumava frequentar (3/24)