Para o professor, é a alma, e não a etnia, aquilo que une o ocidental do presente ao grego da antiguidade. E é só através do cultivo de valores humanísticos que podemos descobrir, individualmente, os nossos próprios ideais de vida. Esses valores, ensina-nos Jaeger, encontram na antiga Grécia a sua expressão mais completa, refinada e nobre: “Outras nações fizeram deuses, reis, espíritos; só os gregos fizeram homens.”
A cultura, portanto, vive, flui, altera-se – mas sua essência permanece imutável. Prova disto é o fato de uma Grécia derrotada ter, no fim, vencido: conquistados por Roma, os gregos foram o povo que os romanos mais imitaram. Cumpre-nos seguir o exemplo do humanista que, rejeitando a influência das massas de seu tempo, escolheu ser o indivíduo Werner Jaeger e buscar, por si próprio, um ideal de humanidade.
A seguir, traduzo alguns breves excertos do início de sua magnum-opus, a indispensável Paideia: The Ideals of Greek Culture, nas palavras em inglês de Gilbert Highet.
Every nation which has reached a certain stage of development is instinctively impelled to practice education. Education is the process by which a community preserves and transmits its physical and intellectual character. For the individual passes away, but the type remains.
Greece is in a special category. From the point of view of the present day, the Greeks constitute a fundamental advance on the great peoples of the Orient, a new stage in the development of society. They established an entirely new set of principles for communal life. However highly we may value the artistic, religious, and political achievements of earlier nations, the history of what we can truly call civilization – the deliberate pursuit of an ideal – does not begin until Greece.
Greece is much more than a mirror to reflect the civilization of today, or a symbol of our rationalistic consciousness of selfhood. The creation of any ideal is surrounded by all the secrecy and wonder of birth; and, with the increasing danger of degrading even the highest by daily use, men who realize the deeper values of the human spirit must turn more and more to the original forms in which it was first embodied, at the dawn of historical memory and creative genius.
Man is the center of their thought. Their anthropomorphic gods; their concentration of the problem of depicting the human form in sculpture and even in painting; the logical sequence by which their philosophy moved from the problem of the cosmos to the problem of man, in which culminated with Socrates, Plato, and Aristotle; their poetry, whose inexhaustible theme from Homer throughout all the succeeding centuries is man, his destiny, and his gods; and finally their state, which cannot be understood unless viewed as the force which shaped man and man's life – all these are separate rays from one great light. They are the expressions of an anthropocentric attitude to life, which pervades everything felt, made, or thought by the Greeks. Other nations made gods, kings, spirits: the Greeks alone made men.
But what is the ideal man? It is the universally valid model of humanity which all individuals are bound to imitate. The Greeks who lived at the beginning of the Roman empire were the first to describe the masterpieces of the great age of Greece as 'classical' in the timeless sense – partly as formal patterns for subsequent artists to imitate, partly as ethical models for posterity to follow. At that time, Greek history had become part of the life of the world-wide empire of Rome, the Greeks had ceased to be an independent nation, and the only higher ideal which they could still follow was the preservation and veneration of their own tradition.
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Toda nação que atinge um certo estado de desenvolvimento é instintivamente impelida a praticar a educação. A educação consiste no processo através do qual uma comunidade preserva e transmite o seu carácter físico e intelectual. Porque o indivíduo passa, mas o tipo permanece.
A Grécia pertence a uma categoria especial. Do ponto de vista atual, os gregos constituem um fundamental avanço em relação aos grandes povos do Oriente – uma nova etapa no desenvolvimento da sociedade. Eles estabeleceram um conjunto inteiramente novo de princípios à vida em comunidade. Por mais que valorizemos as realizações artísticas, religiosas e políticas das nações anteriores, a história daquilo a que podemos verdadeiramente chamar civilização – a busca deliberada de um ideal – não começa antes da Grécia.
A Grécia é bem mais do que um espelho que reflete a sociedade de hoje ou um símbolo da nossa consciência racionalista do “eu”. A criação de qualquer ideal carrega o segredo e a maravilha do nascimento; e, diante do crescente perigo de a presente cultura de massas degradar até mesmo aquilo que é mais elevado, quem compreende os valores profundos do espírito humano deve voltar-se, cada vez mais, para as formas originais em que esses valores encarnaram-se: na aurora da memória histórica e do gênio criativo.
O homem é o centro do pensamento grego. Seus deuses antropomórficos; seu engenho de representar a forma humana na escultura e na pintura; sua filosofia, que, em sequência lógica, passou do problema do cosmos para o problema do homem, culminando com Sócrates, Platão e Aristóteles; sua poesia, cujo tema inesgotável, desde Homero ao longo de todos os séculos seguintes, é o homem, o destino do homem e os deuses do homem; e, finalmente, seu Estado, que só pode ser compreendido se visto como a força que moldou o homem e a sua vida – todos estes são raios separados de uma grande luz, são expressões de uma atitude antropocêntrica em relação à vida que permeia tudo aquilo que é sentido, consumado ou pensado pelos gregos. Outras nações fizeram deuses, reis, espíritos; só os gregos fizeram homens.
Mas o que é o homem ideal? É o modelo de humanidade universalmente válido em que todos os indivíduos devem inspirar-se. Os gregos vivendo no início do Império Romano foram os primeiros a descrever as obras-primas da grande época da Grécia como “clássicas” no sentido atemporal – em parte como padrões formais que os artistas subsequentes deveriam imitar, em parte como modelos éticos que a posteridade deveria seguir. Àquela altura, a história grega havia tornado-se parte da vida do império mundial de Roma, os gregos haviam deixado de ser uma nação independente e o único ideal superior que ainda podiam seguir era a preservação e a veneração da sua própria tradição.
Erechtheion (Acrópole, Atenas, 9/24)
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