quarta-feira, 8 de março de 2023

César: Alea iacta est

 

Caesar Crossing the Rubicon - Adolphe Yvon (1875)

    Quando regressava da Gália a caminho de Roma, Júlio César (100-44 a.C.) soube que o Senado lhe havia retirado os poderes e lhe ordenava que dispersasse seu exército. Ao invés de obedecer, César cruzou o rio Rubicão, fronteira natural entre o norte da República e suas províncias, e avançou sobre a capital, violando as leis romanas e alterando o curso da história.
   César passou para a eternidade como general brilhante e líder que zelou pela prosperidade de seu povo. Mas seu nome não nos tocaria hoje a memória, tivesse ele dado as costas à audácia própria dos grandes homens, deixando de impor seu peso, desafiar os patrícios e, mais importante do que tudo, cruzar o Rubicão.
    Assim Suetônio nos narra o decisivo momento:

    His lights went out and he lost his way, wandering for some time until, at dawn, he located a guide and found the route on foot, following narrow paths. He caught up with his cohorts at the River Rubicon, which was the boundary of his province, where he paused for a while, thinking over the magnitude of what he was planning, then, turning to his closest companions, he said: “Even now we can still turn back. But once we have crossed that little bridge, everything must be decided by arms.”
    As he paused, the following portent occurred. A being of splendid size and beauty suddenly appeared, sitting close by, and playing music on a reed. A large number of shepherds hurried to listen to him and even some of the soldiers left their posts to come, trumpeters among them. From one of these, the apparition seized a trumpet, leapt down to the river, and with a huge blast sounded the call to arms and crossed over to the other bank. Then said Caesar: “Let us go where the gods have shown us the way and the injustice of our enemies calls us. The die is cast.”

    Extinta a chama das tochas, perdeu-se e, por um tempo, vagou sem rumo. Ao nascer do sol, César caminhou a pé por veredas estreitas e, às margens do Rubicão, que marcava a fronteira com sua província, reuniu-se às suas coortes. Ali ficou por alguns instantes ponderando a magnitude dos seus planos, e então voltou-se aos que o acompanhavam e lhes disse: “Agora ainda podemos recuar. Mas, se passarmos aquela pequena ponte, cabe à força das armas decidir o resto.”
    Vacilava ainda quando lhe surgiu a seguinte visão: um rapaz de corpo e beleza singulares apareceu por perto, sentando-se a tocar uma flauta pastoril. Além dos pastores, numerosos soldados dos postos mais vizinhos apressaram-se para ouvi-lo, entre os quais alguns corneteiros. Ao vê-los, o jovem músico arrancou o clarim de um deles, atirou-se ao rio e, na margem oposta, entoou o brado da guerra. César afirmou, então: “Vamos para onde nos chamam os prodígios dos deuses e a perversidade dos nossos inimigos. A sorte está lançada [Alea iacta est].”

    Que nos fique de exemplo para quando tivermos de atravessar, crucialmente, os nossos próprios Rubicões.


(Suetonius. Lives of the Caesars
Traduzido por Catharine Edwards. New York: 2000, págs. 16 – 17)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Safo de Lesbos: alguns fragmentos

Sappho Inspired by Love , de Angelica Kauffman (1775) Dos nove livros que Safo de Lesbos (630-570 a.C.) provavelmente compôs, apenas um poem...