Muito se pode apreciar na poesia essencialista da uruguaia Ida Vitale (1923-), agraciada, em 2019, com o Prêmio Cervantes. Vitale costuma tecer poemas curtos, nos quais busca os sentidos das palavras e vale-se da metalinguagem para elaborar interessantes alegorias.
Neste curto Resíduo, a poeta traça um paralelo entre a memória e a poesia: todas as experiências que atravessamos em vida serão reduzidas à mera lembrança, e é de seus resíduos que nascem os bons versos. Antigas viagens, perfumes e sensações nos lembram daquilo que de melhor nos ocorreu durante a vida – e, questiona-se Vitale, será isso a poesia?
Residua
Corta la vida o larga, todo
lo que vivimos se reduce
a un gris residuo en la memoria.
De los antiguos viajes quedan
las enigmáticas monedas
que pretenden valores falsos.
De la memoria sólo sube
un vago polvo y un perfume.
¿Acaso sea la poesía?
Resídua
Curta a vida ou longa, tudo
o que vivemos se reduz
a um gris resíduo na memória.
Das antigas viagens restam
as enigmáticas moedas
que pretendem valores falsos.
Da memória apenas sobe
um vago pó e um perfume.
Acaso será a poesia?
(VITALE, Ida. Não Sonhar Flores. Tradução de Heloisa Jahn.
Rio de Janeiro: Roça Nova, 2020, pág. 139. O original pode ser encontrado neste endereço)
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