quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Francis Bacon: Sobre os Estudos

 


    Muito vale a qualquer amante das Humanidades debruçar-se sobre os escritos ensaísticos de Francis Bacon (1561-1625), que logram sempre ser perspicazes, provocativos e concisos.
    No texto a seguir, Bacon nos discorre acerca do ato de estudar. Argumenta o filósofo que o aprendizado, a sabedoria e o discernimento “aperfeiçoam a natureza”, sendo os estudos impreteríveis para que cultivemos nossas habilidades naturais. E nos aconselha, sensatamente, a exercer a leitura não para fins de decidido conflito ou aceitação cega, “e sim para ponderar e considerar” os vários aspectos da realidade.


    Of Studies
   Studies serve for delight, for ornament, and for ability. Their chief use for delight, is in privateness and retiring; for ornament, is in discourse; and for ability, is in the judgment, and disposition of business. For expert men can execute, and perhaps judge of particulars, one by one; but the general counsels, and the plots and marshalling of affairs, come best, from those that are learned. To spend too much time in studies is sloth; to use them too much for ornament, is affectation; to make judgment wholly by their rules, is the humor of a scholar. They perfect nature, and are perfected by experience: for natural abilities are like natural plants, that need proyning, by study; and studies themselves, do give forth directions too much at large, except they be bounded in by experience. Crafty men contemn studies, simple men admire them, and wise men use them; for they teach not their own use; but that is a wisdom without them, and above them, won by observation. Read not to contradict and confute; nor to believe and take for granted; nor to find talk and discourse; but to weigh and consider. Some books are to be tasted, others to be swallowed, and some few to be chewed and digested; that is, some books are to be read only in parts; others to be read, but not curiously; and some few to be read wholly, and with diligence and attention. Some books also may be read by deputy, and extracts made of them by others; but that would be only in the less important arguments, and the meaner sort of books, else distilled books are like common distilled waters, flashy things. Reading maketh a full man; conference a ready man; and writing an exact man. And therefore, if a man write little, he had need have a great memory; if he confer little, he had need have a present wit: and if he read little, he had need have much cunning, to seem to know, that he doth not. Histories make men wise; poets witty; the mathematics subtile; natural philosophy deep; moral grave; logic and rhetoric able to contend. Abeunt studia in mores. Nay, there is no stond or impediment in the wit, but may be wrought out by fit studies; like as diseases of the body, may have appropriate exercises. Bowling is good for the stone and reins; shooting for the lungs and breast; gentle walking for the stomach; riding for the head; and the like. So if a man's wit be wandering, let him study the mathematics; for in demonstrations, if his wit be called away never so little, he must begin again. If his wit be not apt to distinguish or find differences, let him study the Schoolmen; for they are cymini sectores. If he be not apt to beat over matters, and to call up one thing to prove and illustrate another, let him study the lawyers' cases. So every defect of the mind, may have a special receipt.


     Sobre os Estudos 
    Os estudos servem ao deleite, ao ornamento e à capacitação. Seu principal uso para o deleite consiste na reclusão e no retiro; para o ornamento, na loquacidade; para a capacitação, no escrutínio e na condução de assuntos práticos. Os homens sagazes, afinal, podem executar e avaliar bem cada caso, mas os conselhos gerais, o planejamento e a ponderação das coisas vêm melhor daqueles que estudam. Implica em indolência gastar muito tempo nos estudos; usá-los demais para adornamento revela afetação; julgar algo inteiramente pelos critérios dos estudos é esquisitice. Os estudos aperfeiçoam a natureza e são aperfeiçoados pela experiência, pois as habilidades naturais são como plantas que precisam cultivo por meio de estudo; ainda, os estudos fornecem direções em geral, exceto quando estão vinculados à experiência. Os homens astutos desprezam os estudos, os simples admiram-nos, os sábios utilizam-nos: os estudos não ensinam o seu próprio uso, mas que há uma sabedoria independente e superior adquirida da observação. Leia não para discutir ou refutar, nem para acreditar ou ter algo por certo, nem para encontrar conversa ou discurso, e sim para ponderar e considerar. Certos livros devem ser degustados, outros devem ser engolidos, e alguns poucos devem ser mastigados e digeridos. Isto é: certos livros devem ser lidos somente em partes; outros devem ser lidos, mas não por curiosidade; e alguns poucos devem ser lidos integralmente, com diligência e atenção. Alguns livros igualmente podem ser lidos por resumos e excertos feitos por outros, mas isso seria apenas para os assuntos menos importantes e típicos dos livros mais vulgares, uma vez que obras destiladas são como as águas destiladas comuns: carecem de substância. A leitura forma um homem completo; a discussão, um homem pronto; a escrita, um homem exato. Portanto, se um homem escreve pouco, ele necessita de uma boa memória; se discute pouco, de uma perspicácia afiada; e, se lê pouco, necessita de sagacidade para fingir que sabe aquilo que não sabe. As histórias tornam os homens sábios e os poetas espirituosos; a matemática torna-os sutis; as ciências, profundos; a moral, sóbrios; e a lógica e retórica os tornam capazes de argumentar. Abeunt studia in mores. Não, não há barreira ou impedimento à inteligência que não possa ser superada por meio de estudos apropriados, tal como, para as enfermidades do corpo, há sempre exercícios adequados. O boliche é bom para as pedras e doenças dos rins; os tiros com arco, para os pulmões e o peito; a caminhada leve é boa para o estômago; andar, para a cabeça, e assim por diante. Portanto, se a inteligência de um homem estiver distraída, que estude matemática, pois, falhando nas demonstrações, ele terá de começar de novo. Se não estiver apta a distinguir ou encontrar diferenças, que estude os escolásticos, visto que eles são especialistas em cymini sectores. E, se o homem não estiver apto a debater sobre assuntos em geral, a tentar provar uma coisa e ilustrar com outra, que estude os casos dos juristas. Assim, para cada defeito de inteligência, há uma receita especial.

(Francis Bacon. The Complete Works. Centaur Editions, 2015)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Safo de Lesbos: alguns fragmentos

Sappho Inspired by Love , de Angelica Kauffman (1775) Dos nove livros que Safo de Lesbos (630-570 a.C.) provavelmente compôs, apenas um poem...