quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Pablo Neruda: O Poeta

 


    O poeta de Pablo Neruda (1904-1973) adquire voz a partir de experiências térreas, entranhando-se naquilo que é expresso pela realidade palpável. Sua poesia, assim, logra um estado de rica autoconsciência, versada em todas as mazelas humanas e parente das muitas faces da vida.
     E não porque seu estro viaja até o aparente limite do desalento o poeta se pretende um demolidor de esperanças: amadurecido, ele percebe nas coisas tristes do mundo – a cobiça, a inveja, a hostilidade e, por fim, a morte – a possibilidade de abrirem-se portas e caminhos diversos.


El Poeta

Antes anduve por la vida, en medio
de un amor doloroso: antes retuve
una pequeña página de cuarzo
clavándome los ojos en la vida.
Compré bondad, estuve en el mercado
de la codicia, respiré las aguas
más sordas de la envidia, la inhumana
hostilidad de máscaras y seres.
Viví un mundo de ciénaga marina
en que la flor de pronto, la azucena
me devoraba en su temblor de espuma,
y donde puse el pie resbaló mi alma
hacia las dentaduras del abismo.
Asi nació mi poesia, apenas
rescatada de ortigas, empuñada
sobre la soledad como un castigo,
o apartó en el jardin de la impudicia
su más secreta flor hasta enterrarla.
Aislado así como el agua sombría
que vive en sus profundos corredores,
corrí de mano en mano, al aislamiento
de cada ser, al odio cuotidiano.
Supe que así vivían, escondiendo
la mitad de los seres, como peces
del más extraño mar, y en las fangosas
inmensidades encontré la muerte.
La muerte abriendo puertas y caminos.
La muerte deslizándose en los muros.



O Poeta

Outrora andei pela vida, em meio
a um doloroso amor: outrora retive
uma pequena página de quartzo
firmando na vida meus olhos.
Comprei bondade, estive no mercado
da cobiça, respirei as águas
mais surdas da inveja, a inumana
hostilidade de máscaras e seres.
Vivi um mundo de pântano marinho
em que de repente a flor, a açucena,
devorava-me em seu tremor de espuma,
e onde pus o pé, a minha alma resvalou
até as dentaduras do abismo.
Assim nasceu minha poesia, mal
resgatada de urtigas, empunhada
sobre a solidão como um castigo,
ou apartada para banir a sua mais secreta
flor no jardim da imodéstia até enterrá-la.
Isolado assim como a água sombria
que vive em seus profundos corredores,
corri de mão em mão, ao isolamento
de cada ser, ao ódio cotidiano.
Soube que assim viviam, escondendo
a metade dos seres, como peixes
do mais estranho mar, e nas lodosas
imensidades encontrei a morte.
A morte abrindo portas e caminhos. 
A morte deslizando nos muros.

(NERUDA, Pablo. Antología General.
Lima: Real Academia Española, 2010, pág. 209)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Safo de Lesbos: alguns fragmentos

Sappho Inspired by Love , de Angelica Kauffman (1775) Dos nove livros que Safo de Lesbos (630-570 a.C.) provavelmente compôs, apenas um poem...