quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Paul Celan: De escuridão em escuridão

 


    A poesia de Paul Celan (1920-1970) costuma resistir a interpretações mais imediatas: hermético, Celan tece poemas fechados em si, autorreferentes e, por vezes, quase ininteligíveis. Auxilia-nos a leitura de sua obra saber que, entre traumas, transtornos e crises pessoais, o poeta renunciou à própria vida afogando-se no Sena, em Paris.
   Nos curtos versos a seguir, Celan ressalta o sentido da luz e da escuridão como forças que se alimentam. Diante dos tormentos da existência humana, o lume da pessoa amada gera uma sombra que nos dá corpo; é de escuro em escuro que nos emerge a possibilidade de travessia e iluminação.


DE ESCURIDÃO EM ESCURIDÃO

Abriste os olhos – vejo minha escuridão viver.
Eu a vejo até o fundo:
mesmo aí ela é minha e vive.

Leva isso além? E desperta ao levar?
De quem a luz que me acompanha o pé
e um barqueiro para si encontra?


Nocturne in Silver and Grey – James Whistler


(Paul Celan. A poesia hermética de Paul Celan
Tradução de Flávio R. Kothe. Brasília, DF: Editora da UnB, 2016, pág. 105)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Bertolt Brecht: Sobre a Atitude Crítica

 


   Nos versos finais do poema a seguir, Bertolt Brecht (1898-1956) sintetiza uma ideia presente em toda a sua obra: a arte não está alheia às questões concretas do mundo. Muito ao contrário – a “canalização de um rio”, o “enxerto de uma árvore”, a “educação de uma pessoa” e a “transformação de um Estado” são, por si só, puros exemplos de arte.
  Brecht, como vemos, promovia uma poesia nada açucarada, pouco maviosa, voltada, antes, à transformação social; uma poesia capaz de apartar o leitor de sua bolha de conforto e levá-lo a pensar sobre temáticas que demandam compromisso coletivo. E essa também é uma forma de produzir arte.


Sobre a Atitude Crítica

A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isto porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado.
Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.

A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera.
E são também
Exemplos de arte.

(Bertolt Brecht. Poemas, 1913 – 1956. Tradução de Paulo César de Souza.
São Paulo: Editora 34, 2000, pág. 259)


quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Wisława Szymborska: Alguns gostam de poesia

 


    Dentre os poetas poloneses famosos do século XX, parece-nos ser Wisława Szymborska (1923-2012) quem mais habilmente sabe manejar a ironia. Em Alguns gostam de poesia, de 1993, Szymborska despe a arte poética de qualquer pedantismo: a poesia admite múltiplas definições, e, mesmo assim, persiste indefinida.
   Para Szymborska, pouco importa teorizar sobre o ofício do verso, pois bastam-lhe a expressão do autor e a sensibilidade do leitor – nelas, talvez, encerrem-se o seu significado e a sua essência.


Alguns gostam de poesia

Alguns –
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam –
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia –
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.


(Wisława Szymborska. Poemas. Tradução de Regina Przybycien. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pág. 91)

Miguel de Unamuno: Minha Religião

  Demonstrando, mais uma vez, sua famosa irreverência intelectual, Miguel de Unamuno (1864-1936) expõe, num pequeno ensaio intitulado Mi Rel...