quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Cinco poemas de Ungaretti

 


    Embora se atribua a Giuseppe Ungaretti (1888-1970) a criação do movimento hermético, não percebemos em sua poesia a introversão quase incomunicável de Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo, os outros dois grandes nomes do hermetismo. Ungaretti, artesão da linguagem condensada e aparentemente simples, prefere falar de facetas próprias da vivência comum, da alegria e da dor.
      Nestes poemas traduzidos por Geraldo Holanda Cavalcanti, Ungaretti admoesta-se, escreve sobre o segredo próprio da arte poética, ilumina-se e, enfim, busca um país inocente. Perguntamo-nos: o poeta deseja retornar literalmente à sua Alexandria natal ou aos domínios de sua infância? Preferimos a segunda interpretação: afinal, é na meninice que se encontra um dos poucos países em que habita a inocência, característica talvez imprescindível para a poesia.


ETERNO

Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada


AGONIA

Morrer como as calhandras sedentas
na miragem

Ou como a codorniz
cruzado o mar
sobre as primeiras moitas
porque já não tem ânimo
de voar

Mas não viver se queixando
como um pintassilgo cego


O PORTO SEPULTO

Ali chega o poeta
e depois regressa à luz com seus cantos
e os dispersa

Desta poesia
me sobra
aquele nada
de inesgotável segredo


MANHÃ

Ilumino-me
de imenso


VAGAMUNDO

Em parte
alguma
do mundo
me sinto
em casa

Em cada
clima
novo
que encontro
reconheço
abatido
que
um dia
a ele também já estive
afeiçoado

E dele me despego sempre
Estrangeiro

Nascendo
de volta de épocas demasiado
vividas

Gozar um único
minuto de vida
primal

Busco um país
inocente


(Giuseppe Ungaretti. Poemas, Edição bilíngue. Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti.
São Paulo: Edusp, 2017, págs. 25, 29, 43, 73 e 83).

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