Embora se atribua a Giuseppe Ungaretti (1888-1970) a criação do movimento hermético, não percebemos em sua poesia a introversão quase incomunicável de Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo, os outros dois grandes nomes do hermetismo. Ungaretti, artesão da linguagem condensada e aparentemente simples, prefere falar de facetas próprias da vivência comum, da alegria e da dor.
Nestes poemas traduzidos por Geraldo Holanda Cavalcanti, Ungaretti admoesta-se, escreve sobre o segredo próprio da arte poética, ilumina-se e, enfim, busca um país inocente. Perguntamo-nos: o poeta deseja retornar literalmente à sua Alexandria natal ou aos domínios de sua infância? Preferimos a segunda interpretação: afinal, é na meninice que se encontra um dos poucos países em que habita a inocência, característica talvez imprescindível para a poesia.
ETERNO
Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada
AGONIA
Morrer como as calhandras sedentas
na miragem
Ou como a codorniz
cruzado o mar
sobre as primeiras moitas
porque já não tem ânimo
de voar
Mas não viver se queixando
como um pintassilgo cego
O PORTO SEPULTO
Ali chega o poeta
e depois regressa à luz com seus cantos
e os dispersa
Desta poesia
me sobra
aquele nada
de inesgotável segredo
MANHÃ
Ilumino-me
de imenso
VAGAMUNDO
Em parte
alguma
do mundo
me sinto
em casa
Em cada
clima
novo
que encontro
reconheço
abatido
que
um dia
a ele também já estive
afeiçoado
E dele me despego sempre
Estrangeiro
Nascendo
de volta de épocas demasiado
vividas
Gozar um único
minuto de vida
primal
Busco um país
inocente
(Giuseppe Ungaretti. Poemas, Edição bilíngue. Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti.
São Paulo: Edusp, 2017, págs. 25, 29, 43, 73 e 83).
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