quarta-feira, 22 de junho de 2022

Jorge L. Borges: Os justos

 


    No Livro dos Seres Imaginários, Jorge Luis Borges (1899-1986) diz: “Há na terra, e sempre houve, 36 homens íntegros cuja missão é justificar o mundo perante Deus. São os Lamed Wufniks. Não se conhecem entre si e são muito pobres. Se um homem chega a saber que é um Lamed Wufnik morre imediatamente e há outro, talvez em outra região do planeta, que toma seu lugar. São, sem suspeitá-lo, os secretos pilares do universo. Se não fosse por eles, Deus aniquilaria o gênero humano. São nossos salvadores e não o sabem”.
    O bardo argentino parece ter inspirado-se nos Lamed Wufniks para compor um poema que figura entre seus mais belos. Os justos, publicado em 1981, consiste num fragmento que nos maravilha pela delicadeza de suas imagens e pela simplicidade de sua enumeração: Borges nos fala de pessoas singelas cuja forma de contribuir para o bem é sutil, porque reside na beleza das pequenas coisas – cuidar do jardim, apreciar a música, acariciar um animal adormecido, preferir que os outros tenham razão.
    Borges nos mostra aqueles que são, sem que o suspeitem, os secretos pilares do universo. Os justos, em seu sincero comedimento, representam nobres exemplos de ajuda, sacrifício e humildade. Cumpre-nos, se não conseguimos polir plenamente a nós mesmos, ao menos aprender algo deles.


LOS JUSTOS

Un hombre que cultiva su jardín, como quería Voltaire.
El que agradece que en la tierra haya música.
El que descubre con placer una etimología.
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
El tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada.
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.



OS JUSTOS

Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que acaricia um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo.


(BORGES, Jorge Luis. Obras completas II, 1975 – 1985
Buenos Aires: María Kodama y Emecé Editores S.A., 1989, pág. 326).

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