quarta-feira, 11 de maio de 2022

Tagore: O Jardineiro

 


    Os versos do indiano Rabindranath Tagore (1861-1941) manifestam uma sensível identificação com os temas eternos da poesia – a amizade, a natureza, o infinito. Talvez seja no amor, contudo, que sua lírica atinja o auge: Tagore pincela em palavras as nuances do desejo, da ansiedade, do ciúme, da esperança. Em O Jardineiro, pequeno livro de 1913, ele não dedica seu engenho sublime apenas ao amor carnal, mas ao amor às pessoas, ao êxtase, à vida. E resultam, daí, curtos poemas em prosa que guardam percepções profundas sobre os estados mais emotivos do ser humano. O Jardineiro, portanto, é quem semeia, rega e cuida dos sentimentos a que todos pertencemos – para, depois, haver a colheita.
    Transcrevo, a seguir, uma sequência de três belos excertos que compõem a obra de 1913.


    40

    Quando venho me despedir de ti, um sorriso incrédulo esvoaça em teus olhos. Já me despedi tantas vezes que imaginas que logo voltarei. E, para dizer a verdade, também eu imagino o mesmo. De fato, os dias da primavera sempre tornam a voltar, a lua cheia se despede e sempre faz outra visita, ano após ano as flores voltam e desabrocham nos ramos... Eu também: despeço-me apenas para voltar a ti outra vez...
    Todavia, mantém a ilusão por um momento! Não a mandes embora tão depressa! Quando me despeço para sempre, aceita isso como verdadeiro e deixa que uma névoa de lágrimas por um instante aprofunde a escuridão de teus olhos. Depois, quando eu voltar, poderás rir e caçoar de mim o quanto quiseres.


    41

    Gostaria de dizer as palavras mais profundas que tenho para ti – mas não me atrevo, porque poderias rir de mim. Então zombo eu de mim mesmo e diluo o meu segredo em brincadeiras. Caçoo da minha dor, para que não caçoes tu...
    Gostaria de dizer as palavras mais verdadeiras que tenho para ti – mas não me atrevo, porque poderias não acreditar em mim. Então eu mesmo as disfarço em mentiras, dizendo o contrário do que eu gostaria. Torno absurda a minha dor, para que não o faças tu...
    Gostaria de usar as palavras mais preciosas que tenho para ti – mas não me atrevo, porque poderias me pagar com palavras de igual valor. Então te falo com rudeza e caçoo de ti com minha força enrijecida. Eu te maltrato, para que jamais conheças minha dor...
    Gostaria de sentar-me a teu lado, em silêncio – mas não me atrevo, para que meu coração não me saia pela boca. Então fico tagarelando e brincando, escondendo o meu coração por trás das palavras. Eu controlo duramente a minha dor, para que não a controles tu....
    Gostaria de sair de teu lado – mas não me atrevo, pois temo que assim ficarias conhecendo minha covardia. Então eu levanto a cabeça e chego distraído à tua presença. E tu, com os insistentes golpes de teus olhos, sempre renovas a minha dor...


    42

    Sim, amigo louco e completamente embriagado, abres tuas portas a pontapés e te fazes de bobo em públicos; esvazias tua bolsa em uma só noite e caçoas da prudência; andas por caminhos estranhos e te divertes com coisas inúteis; não procuras um sentido nem queres razões; estendes tua vela ao sopro do furacão e quebras o timão em pedaços... É por isso que eu vou te seguir, companheiro! Também me vou embriagar e me perder.
    Desperdicei meus dias e noites com pessoas sábias e prudentes. O muito saber me deixou de cabelos brancos e a demasia vigilância embaçou meus olhos. Gastei anos e anos juntando e acumulando sobras e pedaços de coisas... Destrói isso tudo e, dançando, espalha tudo aos quatro ventos! Agora sei que a maior sabedoria está em me embriagar e me perder.
    Que meus escrúpulos doentios se desfaçam e, sem qualquer esperança, eu perca meu caminho! Que o vento selvagem da loucura arrebente minhas amarras! No mundo há pessoas de valor e pessoas que trabalham, pessoas úteis e pessoas habilidosas. Há os que facilmente chegam em primeiro lugar e há os que decentemente chegam depois. Que sejam todos felizes e prósperos! Quanto a mim, prefiro ser fútil e louco. Agora sei que todo trabalho termina para aquele que se embriaga e se perde.
    Juro que neste momento estou renunciando a qualquer direito à dignidade. Adeus à minha sabedoria vaidosa, ao meu discernimento do bem e do mal! Vou quebrar o vaso da memória e derramar a última gota de lágrima! Vou banhar e alegrar meu sorriso com a espuma do vinho mais tinto! Ao sabor do momento, destruirei todos os emblemas da boa educação, e farei o sagrado voto de ser inútil e embriagado, e me perder!...

(TAGORE, Rabindranath. Poesia Mística (Lírica Breve).
Traduzido por STORNIOLO, Ivo. São Paulo: Paulus, 2003, págs. 117 – 120).

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