quarta-feira, 25 de maio de 2022

Juan Ramón Jiménez: A Flor do Caminho

 


    Neste breve capítulo de Platero e Eu, de 1914, Juan Ramón Jiménez (1881-1958) louva a imobilidade de uma simples flor: estorvam-lhe o ambiente touros, cabras, potros e homens, mas a flor, terna e débil, não se deixa ser contaminada por impureza alguma. 
   As andanças do narrador poeta e de seu burrinho Platero descortinam a beleza da paisagem da andaluza e a humildade de seus habitantes. Jiménez, como de costume, exalta a vida acima do sofrimento e presta tributo aos melhores valores humanos: o despojamento, a amizade, a contemplação.


    L: LA FLOR DEL CAMINO

    ¡Que pura, Platero, y qué bella esta flor del camino! Pasan a su lado todos los tropeles – los toros, las cabras, los potros, los hombres –, y ella, tan tierna y tan débil, sigue enhiesta, malva y fina, en su vallado solo, sin contaminarse de impureza alguna.
    Cada día, cuando, al empezar la cuesta, tomamos el atajo, tú la has visto en su puesto verde. Ya tiene a su lado un pajarillo, que se levanta – ¿por qué –? al acercarnos; o está llena, cual una breve copa, del agua clara de una nube de verano; ya consiente el robo de una abeja o el voluble adorno de una mariposa.
    Esta flor vivirá pocos días, Platero, aunque su recuerdo podrá ser eterno. Será su vivir como un día de tu primavera, como una primavera de mi vida... ¿Qué le diera yo al otoño, Platero a cambio de esta flor divina, para que ella fuese, diariamente, el ejemplo sencillo y sin término de la nuestra?
 

    L: A FLOR DO CAMINHO

    Como é pura e bela, Platero, esta flor do caminho! Passam a seu lado todos os tropéis – os touros, as cabras, os potros, os homens –, e ela, tão terna e tão débil, continua ereta, malva e esbelta, em seu valado solitário, sem se contaminar com impureza alguma.
    Todos os dias, quando, ao começar a encosta, tomamos o atalho, tu a vês em seu lugar verde. Já tem a seu lado um passarinho, que se levanta – por quê? – ao nos aproximarmos; ou, como uma leve copa, está cheia da água clara de uma nuvem de verão; já consente o saque de uma abelha ou o volúvel adorno de uma borboleta.
    Esta flor viverá poucos dias, Platero, embora sua lembrança possa ser eterna. Seu viver será como um dia de tua primavera, como uma primavera de minha vida... Que daria eu ao outono, Platero, em troca desta flor divina, para que ela fosse diariamente o exemplo simples e sem fim da nossa?


(Juan Ramón Jiménez. Platero e Eu, Edição Bilíngue.
Traduzido por Monica Stahel. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, págs. 102 e 103).

2 comentários:

  1. Muito bons! O primeiro me faz recordar das flores selvagens nos caminhos daqui.....pequenas, lindas, inspiradoras....

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  2. O segundo é quase como um aviso suave e bonito do destino inevitável de todas as pessoas.......

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