domingo, 10 de abril de 2022

Um poema de Ko Un

 


    Alguns anos depois de conhecê-lo em 1990, Allen Ginsberg chamou ao sul-coreano Ko Un (1933-) “um poeta magnífico, uma combinação de sábio budista, apaixonado libertário e historiador naturalista”.
    Merecido elogio. Diz-se que Ko Un, prolífico, publicou mais de uma centena de livros e manifestou uma imensa diversidade em sua lírica: poemas rápidos e sugestivos, poemas longos e robustos, poemas-piada, poemas furiosos, poemas de amor, poemas explicitamente políticos... Seus versos exibem uma fome de falar sobre tudo aquilo de que é possível falar, e quer parecer-nos que o bardo busca, assim, tornar-se uma espécie de “cidadão do mundo”.
    A seguir, traduzo do inglês o seu poema É (It’s), publicado em 2002 e presente na antologia First Person Sorrowful.


É

É um coração pulsante,
lágrimas pingando do cano de uma arma.

É
subtrair em vez de adicionar,
dividir em vez de multiplicar.

É
escutar.

É
uma tigela de arroz.

É
raízes do subsolo
não precisando se preocupar com as folhas de cima.

É
o assobio infantil de alguém.

É toda a forma de vida,
cada vida individual
não sujeita a outras vidas.

É
a visão de bois arando em dias passados.
Ai!
jugos milenares dos bois.

É
um pai morrendo antes do filho.

É
uma língua materna.

É
o sangue de uma pessoa esquentando o sangue de outra pessoa.

É
uma mãe para quem o choro de seu bebê é tudo no mundo.

É
um arquipélago.

É uma pessoa sendo humana para outro humano,
uma pessoa sendo natureza para a Natureza.

É
eu mesmo sendo finalmente abolido.

Ah, Paz!


––


It’s

It’s a heart throbbing,
tears dripping from the muzzle of a gun.

It’s
subtracting rather than adding up,
dividing rather than multiplying.

It’s
listening.

It’s
a bowl of rice.

It’s
underground roots
not having to worry about the leaves up above.

It’s
someone’s childish fluting.

It’s every kind of life,
each individual life
not subject to other lives.

It’s
the sight of harnessed oxen plowing fields in days gone by.
Alas!
oxen’s millennial yokes.

It’s
a father dying ahead of his son.

It’s
a mother tongue.

It’s
one person’s blood warming another person’s blood.

It’s
a mother for whom her baby’s crying is all.

It’s
an archipelago.

It’s a person being a human for another human being,
a person being nature for Nature.

It’s
myself being finally abolished.

Ah, Peace!


(Ko Un. First Person Sorrowful. Traduzido por Anthony of Taizé
e Lee Sang-Wha. Bloodaxe Books, 2012).

2 comentários:

  1. Pois é... não é que é mesmo?
    E o boi? Taí o boi, meu sempre olhado cavalo.

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  2. Me lembrou a música do AC Jobim, "águas de março "........"é o pau, é a pedra, é o fim do caminho, é um resto de toco, é um pouco sozinho......."

    Bela obra.....interessante o nome desta antologia também né....first person sorrowful.....fiquei curiosa

    ResponderExcluir

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