Que alegoria o eu lírico do siciliano Salvatore Quasimodo (1901-1968) pretende implicar quando se descreve como um náufrago? Excesso de sofrimento? Calor de chamas internas? Tempestades de sentimentos incomunicáveis? Creio que não poderia ser senão a do homem que, filho de tempos duros, acaba de experimentar uma guerra mundial e já entra em outra – no decurso das quais se perpetram os mais vis crimes, violações e morticínios.
Em Náufrago (que traduzo do inglês, porque, tristemente, não possuo italiano), de 1936, notamos as características principais do hermetismo poético: a voz poética, ainda que pareça buscar algum conforto espiritual, vale-se de imagens, simbolismos e metáforas para confessar-se perdida, desamparada, inquieta.
In Your Light I Am Wrecked
I am born in your shipwrecking light,
evening of limpid waters.
The air burns comforted
with serene leaves.
Torn up from the living
I am makeshift heart,
a no-man’s-land.
Your terrible gift of
words, Lord, I am
doing my best to repay.
Waken me from the dead:
everyone has his land,
his woman.
You have looked within me
in the darkness of my entrails:
no one holds in his heart
despair like mine.
I am a man alone,
a single hell.
I am born in your shipwrecking light,
evening of limpid waters.
The air burns comforted
with serene leaves.
Torn up from the living
I am makeshift heart,
a no-man’s-land.
Your terrible gift of
words, Lord, I am
doing my best to repay.
Waken me from the dead:
everyone has his land,
his woman.
You have looked within me
in the darkness of my entrails:
no one holds in his heart
despair like mine.
I am a man alone,
a single hell.
––
Nasci no naufrágio de tua luz,
entardecer de águas límpidas.
O ar queima tranquilo
com folhas serenas.
Arrancado dos vivos,
sou um coração precário,
uma terra-de-ninguém.
Teu terrível dom de
palavras, Senhor, eu
faço o melhor para retribuir.
Desperta-me dos mortos:
todos têm sua terra,
sua mulher.
Olhaste dentro de mim,
no abismo das minhas entranhas:
ninguém guarda no coração
desespero como o meu.
Eu sou um homem só,
um só inferno.
(QUASIMODO, Salvatore. Complete Poems.
Traduzido por BEVAN, Jack. Carcanet Classics, 2021).
Notre Dame! Não sabia que esse poeta existia. Bela tradução!
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