sábado, 31 de agosto de 2024

Upanishads: alguns trechos



Os Upanishads são poemas de conteúdo filosófico-religioso elaborados por autores anônimos em versos de distintos tamanhos, dos quais o mais velho foi provavelmente composto entre 800 e 400 a.C., na antiguidade védica. Em sânscrito, a palavra Upanishad significa, como um todo, o ato de sentar-se e escutar os ensinamentos do mestre. 

O que dá vida a estes milenares escritos é a compreensão de uma essência universal, eterna e transcendente. Se, para os poetas hindus, trata-se de Brahman, quer-nos parecer que outras tradições a descobriram através de nomes variados: Heráclito a conhece como Logos; o judeu cabalista, como Ein Sof; Emerson, como a Supra-Alma. A menos que sejamos capazes de nutrir uma reverência superior a barreiras histórico-culturais, nomes serão palavras vazias.

Àquele que sinceramente cultiva a fé e abre o coração, a lição suprema dos Upanishads fica clara: Deus não reside em dogmas, liturgias ou em qualquer coisa distante, e sim no nosso interior mais profundo, na nossa capacidade de exercer a empatia, na nossa escolha de cultivar a disciplina necessária para senti-lo. “Em verdade”, diz-nos o Mundaka Upanishad, “quem ascende ao conhecimento de Deus torna-se Deus”.

A seguir, traduzo (do inglês) algumas linhas que me são particularmente significativas.



(Isa Upanishad)

Aquele que vê todos os seres em seu próprio Eu e seu próprio Eu em todos os seres perde qualquer medo.

*

(Katha Upanishad)

Quando o sábio serena a mente e contempla o nosso invisível Deus, que, superior ao tempo, reside no mistério das coisas e no coração dos homens, ele se eleva acima do prazer e da dor.

Quando o indivíduo escuta, compreende e, encontrando a essência, alcança o Interior, ele então descobre o júbilo na Fonte do júbilo.

[...]

Nem mesmo através de intensos estudos pode-se alcançar o Atman. Isso é possível apenas se o indivíduo abandona seus hábitos torpes e cultiva a calma nas percepções, concentração na mente e paz no coração.

Quem realmente sabe onde ele reside? Supremo, seu poder reduz ao pó sacerdotes e guerreiros – seu poder aniquila até mesmo a morte.

*

(Prasna Upanishad)

Em sonhos, a mente contempla a sua própria imensidão. Aquilo que foi visto é visto novamente; aquilo que foi ouvido é ouvido novamente. Aquilo que foi sentido em distintos lugares e remotas regiões retorna à mente mais uma vez. Visto e não visto, ouvido e não ouvido, sentido e não sentido, a mente contempla tudo, pois a mente é tudo.

*

(Mundaka Upanishad)

Assim como rios fluindo ao oceano encontram sua paz final e desaparecem em nome e forma, também o sábio se liberta de seu nome e forma e se adentra na radiância do Espírito Supremo, que é maior do que qualquer grandeza.

Em verdade, quem ascende ao conhecimento de Deus torna-se Deus.

*

(Svetasvatara Upanishad)

Neste gigante Ciclo da criação, que rege a vida e a morte de todas as coisas, a alma humana vagueia como uma ave em aflito voo e pensa que Deus está distante. Quando o amor de Deus a toca, porém, a alma humana encontra sua própria imortalidade.

Louvado em canções é Brahman. Nele, estão Deus, o mundo e a alma: Brahman é a eterna essência de tudo. Quando o indivíduo vê Brahman em toda a criação, ele encontra paz em Brahman e se liberta de todas as agruras.

Deus sustenta a unidade deste universo: o visível e o oculto, o transitório e o eterno. A alma do homem é prisioneira do prazer e da dor – mas, quando encontra Deus, ela se liberta de todos os grilhões.

Existe a alma do homem, permeada pela sabedoria e pela tolice, pelo poder e pela fraqueza; existe a natureza, Prakriti, que é a criação pelo bem da alma; e existe Deus, infinito, onipresente, que guarda toda a criação. Quando o indivíduo conhece os três, o indivíduo conhece Brahman.

A matéria se esvai com o tempo, mas Deus reside na Eternidade e governa tanto a matéria como a alma. Meditando sobre ele, contemplando-o, entrando em comunhão com ele, cessam as ilusões terrenas.

Quando o indivíduo conhece Deus, ele se torna livre: suas dores chegam ao fim, não lhe há mais nascimento e morte. Quando, em união interior, o indivíduo transcende o mundo corpóreo, ele encontra o terceiro mundo, o mundo do Espírito, onde o poder de Tudo está e o indivíduo tem tudo: pois ele é um com o Um.

Entende que Brahman reside eternamente em ti: nada maior há para ser entendido. Quando tu contemplas Deus, o mundo e a alma, tu contemplas os Três: tu contemplas Brahman.


--


(Isa Upanishad)

Who sees all beings in his own Self, and his own Self in all beings, loses all fear.

*

(Katha Upanishad)

When the wise rests his mind in contemplation on our God beyond time, who invisibly dwells in the mystery of things and in the heart of man, then he rises above pleasures and sorrow.

When a man has heard and has understood and, finding the essence, reaches the Inmost, then he finds joy in the Source of joy. Nachiketas is a house open for thy Atman, thy God.

(...)

Not even through deep knowledge can the Atman be reached, unless evil ways are abandoned, and there is rest in the senses, concentration in the mind and peace in one's heart.

Who knows in truth where he is? The majesty of his power carries away priests and warriors, and death itself is carried away.

*

(Prasna Upanishad)

And in dreams the mind beholds its own immensity. What has been seen is seen again, and what has been heard is heard again. What has been felt in different places or far- away regions returns to the mind again. Seen and unseen, heard and unheard, felt and not felt, the mind sees all, since the mind is all.

*

(Mundaka Upanishad)

As rivers flowing into the ocean find their final peace and their name and form disappear, even so the wise become free from name and form and enter into the radiance of the Supreme Spirit who is greater than all greatness.

In truth who knows God becomes God.

*

(Svetasvatara Upanishad)

In this vast Wheel of creation wherein all things live and die, wanders round the human soul like a swan in restless flying, and she thinks that God is afar. But when the love of God comes down upon her, then she finds her own immortal life.

Exalted in songs has been Brahman. In him are God and the world and the soul, and he is the imperishable supporter of all. When the seers of Brahman see him in all creation, they find peace in Brahman and are free from all sorrows.

God upholds the oneness of this universe: the seen and the unseen, the transient and the eternal. The soul of man is bound by pleasure and pain; but when she sees God she is free from all fetters.

There is the soul of man with wisdom and unwisdom, power and powerlessness; there is nature, Prakriti, which is creation for the sake of the soul; and there is God, infinite, omnipresent, who watches the work of creation. When a man knows the three he knows Brahman.

Matter in time passes away, but God is for ever in Eternity, and he rules both matter and soul. By meditation on him, by contemplation of him, and by communion with him, there comes in the end the destruction of earthly delusion.

When a man knows God, he is free: his sorrows have an end, and birth and death are no more. When in inner union he is beyond the world of the body, then the third world, the world of the Spirit, is found, where the power of the All is, and man has all: for he is one with the one.

Know that Brahman is for ever in thee, and nothing higher is there to be known. When one sees God and the world and the soul, one sees the Three: one sees Brahman.


(Tradução do sânscrito de Juan Mascaró)



Coleção de obras antigas e medievais retratando o Buda (Humboldt Forum, Berlim, 8/24)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Safo de Lesbos: alguns fragmentos

Sappho Inspired by Love , de Angelica Kauffman (1775) Dos nove livros que Safo de Lesbos (630-570 a.C.) provavelmente compôs, apenas um poem...