sábado, 13 de janeiro de 2024

Luis Cernuda: Monólogo do Faroleiro

 



Por ocasião de minha estada na Espanha, resolvi tentar uma tradução deste belíssimo poema escrito pelo sevilhano Luis Cernuda (1902-1963):


MONÓLOGO DO FAROLEIRO

Como preencher-te, solidão,
Senão contigo mesma?

Desde menino, entre as pobres guaridas da terra,
Quieto num canto escuro,
Buscava em ti, grinalda brilhante,
Minhas auroras futuras e furtivos anoiteceres,
E em ti os vislumbrava,
Naturais e exatos, também livres e fiéis,
À minha semelhança,
À tua semelhança, eterna solidão.

E logo me perdi pela terra injusta
Como quem busca amigos ou ignorados amantes;
Diferente do mundo,
Fui luz serena, infrene anelo,
E na chuva sombria ou no sol claro
Queria uma verdade que te traísse,
Esquecendo em meu afã
Como as asas fugitivas criam sua própria nuvem.

E ao velar-se a meus olhos
Com nuvens sobre nuvens de outono transbordado
A luz daqueles dias em ti mesma entrevistos,
Neguei-te por bem pouco;
Por amores banais, nem certos nem fingidos,
Por calmas amizades de poltronas e aparências,
Por um nome de reduzida cauda num mundo fantasma,
Pelos velhos prazeres proibidos,
Como os nauseabundos permitidos,
Úteis somente para o elegante salão sussurrado,
Em bocas de mentira e palavras de gelo.

Por ti, encontro-me agora o eco da antiga pessoa
Que fui,
Que eu próprio manchei com aquelas traições juvenis;
Por ti, encontro-me agora, constelados achados,
Limpos de outro desejo,
O sol, meu deus, a rumorosa noite,
A chuva, a intimidade de sempre,
O bosque e seu hálito pagão,
O mar, o mar belo como o seu nome;
E sobre todos eles,
Corpo escuro e esbelto,
Encontro-te, solidão tão minha,
E tu me dás força e fraqueza,
Como à ave cansada os braços da pedra.

Debruçado sobre a varanda, olho insaciável as ondas,
Escuto suas escuras maldições,
Contemplo seus afagos brancos;
E, erguido de um berço vigilante,
Sou na noite um diamante que gira avisando os homens.
Por quem vivo, mesmo quando os não vejo;
E assim, longe deles,
Já esquecidos seus nomes, amo-os em multidões
Roucas e violentas como o mar, minha morada,
Puras perante a espera de uma revolução ardente
Ou rendidas e dóceis, como o mar sabe ser
Quando chega a hora do repouso que sua força conquista.

Tu, verdade solitária,
Transparente paixão, minha solidão de sempre,
És abraço imenso;
O sol, o mar,
A escuridão, a estepe,
O homem e seu desejo,
A multidão irada
– O que são senão tu mesma?

Por ti, minha solidão, busquei-os um dia;
Em ti, minha solidão, amo-os agora.


SOLILOQUIO DEL FARERO

Cómo llenarte, soledad,
Sino contigo misma...

De niño, entre las pobres guaridas de la tierra,
Quieto en ángulo oscuro,
Buscaba en ti, encendida guirnalda,
Mis auroras futuras y furtivos nocturnos,
Y en ti los vislumbraba,
Naturales y exactos, también libres y fieles,
A semejanza mía,
A semejanza tuya, eterna soledad.

Me perdí luego por la tierra injusta
Como quien busca amigos o ignorados amantes;
Diverso con el mundo,
Fui luz serena y anhelo desbocado,
Y en la lluvia sombría o en el sol evidente
Quería una verdad que a ti te traicionase,
Olvidando en mi afán
Cómo las alas fugitivas su propia nube crean.

Y al velarse a mis ojos
Con nubes sobre nubes de otoño desbordado
La luz de aquellos días en ti misma entrevistos,
Te negué por bien poco,
Por menudos amores ni ciertos ni fingidos,
Por quietas amistades de sillón y de gesto,
Por un nombre de reducida cola en un mundo fantasma,
Por los viejos placeres prohibidos,
Como los permitidos nauseabundos,
Útiles solamente para el elegante salón susurrado,
En bocas de mentira y palabras de hielo.

Por ti me encuentro ahora el eco de la antigua persona
Que yo fui,
Que yo mismo manché con aquellas juveniles traiciones;
Por ti me encuentro ahora, constelados hallazgos,
Limpios de otro deseo,
El sol, mi dios, la noche rumorosa,
La lluvia, intimidad de siempre,
El bosque y su alentar pagano,
El mar, el mar como su nombre hermoso;
Y sobre todos ellos,
Cuerpo oscuro y esbelto,
Te encuentro a ti, tú, soledad tan mía,
Y tú me das fuerza y debilidad
Como el ave cansada los brazos de piedra.

Acodado al balcón miro insaciable el oleaje,
Oigo sus oscuras imprecaciones,
Contemplo sus blancas caricias;
Y erguido desde cuna vigilante
Soy en la noche un diamante que gira advirtiendo a los hombres.
Por quienes vivo, aun cuando no los vea;
Y así, lejos de ellos,
Ya olvidados sus nombres, los amo en muchedumbres,
Roncas y violentas como el mar, mi morada,
Puras ante la espera de una revolución ardiente
O rendidas y dóciles, como el mar sabe serlo
Cuando toca la hora de reposo que su fuerza conquista.

Tú, verdad solitaria,
Transparente pasión, mi soledad de siempre,
Eres inmenso abrazo;
El sol, el mar,
La oscuridad, la estepa,
El hombre y el deseo,
La airada muchedumbre,
¿Qué son sino tú misma?

Por ti, mi soledad, los busqué un día;
En ti, mi soledad, los amo ahora.



(La Realidad y el Deseo - Poesías Completas)

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