quarta-feira, 12 de abril de 2023

Vicente Aleixandre: Chove

 


    A poesia do sevilhano Vicente Aleixandre (1898-1984), membro da Geração de 27, costuma apresentar um caráter íntimo e surrealista. Seus versos muitas vezes são breves, intensos e valem-se bastante da natureza para dar corpo a metáforas imagéticas.
    Llueve (Chove), de 1968, expressa um sentimento paradoxal da alma humana: a percepção da ausência e, simultaneamente, da presença da pessoa amada. Aleixandre anuncia gradualmente a chegada da memória: primeiro, a imagem vem em forma de chuva; depois, surgem o beijo e a voz; por fim, a chuva parece representar o amor perdido.


LLUEVE

En esta tarde llueve, y llueve pura
tu imagen. En mi recuerdo el día se abre. Entraste.
No oigo. La memoria me da tu imagen sólo.
Sólo tu beso o lluvia cae en recuerdo.
Llueve tu voz, y llueve el beso triste,
el beso hondo,
beso mojado en lluvia. El labio es húmedo.
Húmedo de recuerdo el beso llora
desde unos cielos grises
delicados.
Llueve tu amor mojando mi memoria,
y cae, cae. El beso
al hondo cae. Y gris aún cae
la lluvia.



CHOVE

Nesta tarde chove, e chove pura
a tua imagem. O dia se abre em minha lembrança. Entraste.
Não ouço. A memória me dá só a tua imagem.
Só o teu beijo ou chuva cai na lembrança.
A tua voz chove, e chove o beijo triste,
o beijo fundo,
beijo molhado em chuva. O lábio é úmido.
Úmido de lembrança o beijo chora
de uns céus cinzentos
delicados.
Chove o teu amor molhando a minha memória,
e cai, cai. O beijo
ao fundo cai. E cinzenta ainda
cai a chuva.


(Vicente Aleixandre. A Longing for the Light: Selected Poems
New York: Harper & Row, 1979, pág. 244)

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