quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Virginia Woolf: solidão e sonhos

 


    Mrs. Dalloway, de 1925, uma das obras mais célebres de Virginia Woolf (1882-1941), impacta-nos menos pela trama de seu enredo do que pelo poder de suas introspecções meditativas. Poucos são seus diálogos; por outro lado, suas divagações são muitas, e nelas residem temas profundos da experiência humana.
   A passagem a seguir explora o contraste entre a turbulência da vida urbana e o distanciamento particular da mente. Clarissa Dalloway – que dá título à obra –, caminhando a mais um dia de compras, cessa o passo durante um momento a fim de contemplar o bulício da cidade e refletir sobre o mundo à sua volta. À medida que envelhece, Clarissa percebe ser mais difícil conhecer novas pessoas, versar-se em novos saberes e sair da rotina insípida que a aprisiona.
   A imagem de estar à deriva em alto-mar parece conotar-nos o sentimento de solidão, de alienação a tudo: Clarissa boia sem companhia alguma, apenas deixando-se levar pelo movimento calmo das águas enquanto acomete-lhe o sentimento de ser “muito, muito perigoso viver, mesmo que por um dia”. Eventualmente, ela percebe que todas as pessoas enfrentam sozinhas as mesmas agruras no oceano da vida. E que, apesar da massiva quantidade de humanos a coexistir num centro urbano tão povoado como Londres, a solidão embrenha-se em toda parte.

    She had reached the Park gates. She stood for a moment, looking at the omnibuses in Piccadilly.
    She would not say of any one in the world now that they were this or were that. She felt very young; at the same time unspeakably aged. She sliced like a knife through everything; at the same time was outside, looking on. She had a perpetual sense, as she watched the taxicabs, of being out, out, far out to sea and alone; she always had the feeling that it was very, very dangerous to live even one day. Not that she thought herself clever, or much out of the ordinary. How she had got through life on the few twigs of knowledge Fräulein Daniels gave them she could not think. She knew nothing; no language, no history; she scarcely read a book now, except memoirs in bed; and yet to her it was absolutely absorbing; all this; the cabs passing; and she would not say of Peter, she would not say of herself, I am this, I am that.
    (…) Did it matter then, she asked herself, walking towards Bond Street, did it matter that she must inevitably cease completely; all this must go on without her; did she resent it; or did it not become consoling to believe that death ended absolutely?

    Chegara aos portões do parque. Ficou parada por um instante, observando os ônibus em Piccadilly.
   A partir de agora, não ousaria dizer de pessoa alguma que era isto ou aquilo. Sentia-se bastante jovem; ao mesmo tempo, indescritivelmente velha. Ela dissecava tudo qual uma lâmina; ao mesmo tempo, estava ali fora, contemplando. Tinha a perpétua sensação, enquanto observava os táxis, de estar distante, distante, bem distante em alto-mar, sozinha; sempre teve a sensação de que era muito, muito perigoso viver, mesmo que por um dia. Não que se julgasse esperta ou fora do comum. Nem sabia dizer como enfrentava a vida com as poucas migalhas de conhecimento que Fräulein Daniels transmitira a ela e à irmã. Não dominava nada; nenhuma língua, nada de história; mal lia livros hoje em dia, exceto memórias antes de dormir; e, contudo, para ela isso era absolutamente cativante; tudo isso; os táxis de passagem; e não ousaria falar de Peter, não ousaria falar de si mesma, sou isto, sou aquilo.
    (...) Importava, então, perguntou a si mesma, caminhando para a Bond Street, importava que ela inevitavelmente deixasse de existir por completo? Tudo há de seguir sem ela; e ela se ressentia por tal motivo, ou não seria reconfortante acreditar que a morte era um fim absoluto?


(Virginia Woolf. Mrs. Dalloway. London: Hogarth Press, 1925).

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