sábado, 2 de abril de 2022

Tomas Tranströmer: Allegro

 


   Muitas vezes, Tomas Tranströmer (1931-2015) pode parecer-nos um poeta alienado. Trata-se, contudo, de uma impressão equivocada: seus versos consistem em tranquilas afirmações com poucas palavras, mas também numa forma implícita de resistência ao poder e à apatia dos tempos modernos. O poema a seguir, de 1962, revela-nos a particular habilidade de extrair grandeza das cenas simples e cotidianas, simultaneamente atuando como um tributo à música, arte amada por Tranströmer, e como uma maneira de mostrar-nos que, até durante os períodos escuros da vida, conseguimos encontrar alento, calma e o sentimento de liberdade.


ALLEGRO

Eu toco Haydn após um dia negro
e sinto um calor tranquilo nas mãos.

As notas se dispõem. Marteladas gentis.
Os ecos são verdes, vivos e calmos.

A música diz que a liberdade existe
e alguém não paga as taxas do imperador.

Enfio as mãos nos meus Haydn-bolsos
e imito uma pessoa serena sobre o mundo.

Alço a Haydn-bandeira – a mensagem é:
“Não nos rendemos. Mas queremos paz”.

A música é uma casa de vidro no declive
aonde as pedras voam, as pedras rolam.

E as pedras rolam direto para dentro da casa,
porém cada vidraça permanece intacta.

––

ALLEGRO

I play Haydn after a black day
and feel a simple warmth in my hands.

The keys are willing. Soft hammers strike.
The resonance green, lively and calm.

The music says freedom exists
and someone doesn’t pay the emperor tax.

I push down my hands in my Haydnpockets
and imitate a person looking on the world calmly.

I hoist the Haydnflag – it signifies:
“We don’t give in. But want peace.”

The music is a glass-house on the slope
where the stones fly, the stones roll.

And the stones roll right through
but each pane stays whole.


(TRANSTRÖMER, Tomas. The Great Enigma: New Collected Poems.
Traduzido por FULTON, Robin. Bloodaxe Books, 2006, pág. 96).




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