domingo, 24 de abril de 2022

J. D. Salinger: o guardador de infâncias

 


    Nas páginas finais de The Catcher in the Rye, obra-prima de J.D. Salinger (1919-2010), Holden Caulfield, dialogando com sua irmã caçula, tece uma belíssima alegoria: milhares de crianças brincam sobre um campo de centeio rodeado por um penhasco, e Caulfield deve protegê-las de cair dele. O campo de centeio representa a feliz infância; o penhasco, seu fim.
    Caulfield acredita que, ao contrário da gente crescida, as crianças são simples e impolutas e deseja manter viva essa pureza singela. O apanhador no campo de centeio, então, deve salvá-las da realidade ríspida que as definhará com o passar do tempo. Como se fosse, afinal, um guardador de infâncias.

(…) I was thinking about something else – something crazy. “You know what I’d like to be?” I said. “You know what I’d like to be? I mean if I had my goddam choice?”

“What? Stop swearing.”

“You know that song ‘If a body catch a body comin’ through the rye” I’d like –“

“It’s ‘if a body meet a body coming through the rye’!” old Phoebe said. “It’s a poem by Robert Burns.”

“I know it’s a poem by Robert Burns.”

She was right, though. It is “If a body meet a body coming through the rye.” I didn’t know it then, though.

          “I thought it was ‘If a body catch a body’”. I said. “Anyway, I keep picturing all these little kids playing some game in this big field of rye and all. Thousands of little kids, and nobody’s around – nobody big, I mean – except me. And I’m standing on the edge of some crazy cliff. What I have to do, I have to catch everybody if they start to go over the cliff – I mean if they're running and they don't look where they’re going I have to come out from somewhere and catch them. That's all I do all day. I'd just be the catcher in the rye and all. I know it's crazy, but that's the only thing I'd really like to be.”

 

“(…) Eu tava pensando em outra coisa, uma coisa doida. Cê sabe o quê que eu queria ser? – perguntei pra ela. – Sabe o que eu queria ser? Tipo, se eu pudesse fazer a merda da escolha?

– O quê? Para de xingar.

– Cê conhece aquela melodia: ‘Se alguém agarra alguém por entre o campo de centeio’? Eu queria...

– A letra é ‘Se alguém encontra alguém por entre o campo de centeio’! – ela disse. – É um poema do Robert Burns.

Eu sei que é um poema do Robert Burns.

Mas ela tava certa. Realmente é ‘Se alguém encontra alguém por entre o campo de centeio’. Mas eu não sabia direito.

Pensei que era ‘Se alguém agarra alguém’ – eu disse. – De qualquer jeito, fico imaginando essas crianças brincando de alguma coisa num campo gigante de centeio e tudo. Milhares de crianças, e ninguém por ali – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício doido. O quê que eu tenho que fazer? Tenho que agarrar todo o mundo que cair do precipício. Quer dizer, se uma criança começar a correr sem olhar pra onde tá indo, eu tenho que aparecer de algum lugar e agarrar ela. É só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é doideira, mas é a única coisa que eu queria fazer.”



(SALINGER, J.D. The Catcher in the Rye.
Boston: Little, Brown and Company, 1991, pág. 93).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Drummond: Passagem do Ano

     Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) era um homem de temperamento reservado, discreto e meditativo – mas sabia compor versos que, enc...