sexta-feira, 31 de maio de 2024

Três poemas de Pär Lagerkvist



    Embora seja mais conhecido como romancista, o sueco Pär Lagerkvist (1891-1974) é também o autor de belos versos a respeito da condição humana – uma condição marcada por constantes dúvidas quanto ao significado da vida nesta terra, às coisas que nos esperam após a morte e à existência ou inexistência de Deus. É à sua poesia, de fato, que o Nobel de 1951 foi atribuído: segundo a justificativa oficial, Lagerkvist viu-se agraciado porque busca “encontrar respostas às eternas questões que confrontam a humanidade”.
Os três poemas que tento traduzir de seu Evening Land (Aftonland) asseguram, pela simplicidade e universalidade com que são moldados, que o prêmio de 1951 estava correto.


I wanted to know
but was only allowed to ask,
I wanted light
but was only allowed to burn.
I demanded the ineffable
but was only allowed to live.

I complained,
but nobody understood what I meant.


The god who does not exist,
he it is who enkindles my soul,
who makes my soul a wilderness,
a reeking ground, a scorched land, reeking after a fire.
Because he does not exist.
He it is who saves my soul by making it a desert
and scorched.
The god who does not exist.
The awesome god.


I am a cloud, a cloud in the sky above the earth.
I came into being on this wonderful morning and shall soon
be effaced again.
I am so happy because I shall only live this morning,
so happy that I was born and shall die with it,
and that it is the beaming sun which will make me die.



Eu quis saber,
mas pude apenas perguntar;
Eu quis luz,
mas pude apenas queimar.
Eu pedi pelo inefável,
mas pude apenas viver.

Eu me queixei,
mas ninguém me pôde entender.

O deus que não existe
é aquele que acende minh’alma,
aquele que torna minh’alma um lugar selvagem,
um terreno fétido, uma terra queimada, fétida depois de um incêndio.
Porque ele não existe.
Ele é quem salva minh’alma, queimando-a,
tornando-a um deserto.
O deus que não existe.
O deus maravilhoso.

Eu sou uma nuvem, uma nuvem no céu sobre a terra.
Comecei a existir durante esta linda manhã e em breve
hei de ser nada novamente.
Estou tão feliz por saber que só viverei durante esta manhã,
tão feliz porque nasci e morrerei com ela
e porque é o sol ardente que me fará morrer.

(Em Evening Land — traduzido para o inglês por W. H. Auden e Leif Sjöberg)

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